terça-feira, 30 de dezembro de 2014

EDUCAÇÃO E FRUTOS DO MAR



O restaurante é pequeno, simples, despojado e de bons sabores. O dono acumula as funções de maître, estudioso que é das sutilezas da gastronomia.
Penso um pouco e acabo escolhendo o óbvio: fettuccine com frutos do mar. Ele aprova, condescendente. Principia então o melhor e mais delicado momento de um jantar fora de casa: a espera do prato. Se vem muito rápido, banaliza; se demora além do razoável, traz impaciência ao estômago; se chega no tempo certo, não há melhor aperitivo. Enquanto isso a conversa flutua, sem peso.
Chega a seu tempo. O garçon o serve e deixa ao lado um pequeno recipiente com queijo ralado. Chega de conversa; ocupem-se as  bocas com melhor proveito. Vem o dono-maître e pergunta se está tudo de acordo. Não devia ter perguntado.
Faço-me de desentendido e indago:
-                      Dizem que queijo ralado e frutos do mar não se coadunam. É verdade?
O homem faz uma expressão de contentamento por ter sido consultado e assegura:
-                     É verdade! Em dez anos de funcionamento, o senhor é o primeiro cliente que  levanta a questão. Na Itália, colocar o quejo na mesa já seria heresia. Os sabores brigam.
-                      Pois veja. Tenho um irmão que não tem papas na língua. Ele diria que é falta de educação.
O homem me olha, meio assustado.
-                     Não se assuste, é modo de falar. A palavra “educação” tem pelo menos três acepções. Pode significar “bons modos”, “boas maneiras”: palitar os dentes à mesa é falta de educação. Pode significar “instrução”, “conhecimento”: Fulano tem educação universitária. E pode significar “apuro dos sentidos”, “treinamento do gosto”: ouvir Wagner exige educação do ouvido. Meu irmão diz que certos sabores exigem que se treine o paladar. Como tudo na vida. Não vai nisso qualquer ofensa.
O maître concorda em silêncio e se retira, um tanto desconcertado.
As outras pessoas (há outros à mesa) tinham parado de comer. Após um curto silêncio, alguém murmura:
-                     Certas preleções não cabem à mesa. Pura falta de educação.
E tornamos todos ao excelente repasto.



EDUKADO KAJ MARFRUKTOJ

La restoracio estas malgranda, simpla, senornama kaj kun bonaj gustoj. La posedanto plenumas la taskon ankaŭ de ĉefservanto, ĉar li estas studema pri subtilaĵoj de gastronomio.
Mi iom pensas kaj fine mi elektas ordinaraĵon: pastaĵon kun marfruktoj. Li aprobas, bonvoleme. Komenciĝas tiam la plej bona kaj delikata momento de eksterhejma vespermanĝo: la atendado de la manĝaĵo. Se ĝi alvenas tro rapide, temas pri banaligo; se ĝi prokrastiĝas pli ol konsilinde, senpacienciĝas la stomako; se ĝi alvenas ĝustatempe, ne eblas pli taŭga apetitvekilo. Dume, konsersacio ŝvebas senpeze.
Ĝi alvenas ĝustatempe. La kelnero servas kaj lasas flanke etan ujon da raspita fromaĝo. Ĉesu la konversacio; okupiĝu la buŝoj per io pli profitodona. Alvenas la ĉefservanto kaj demandas, ĉu estas ĉio en ordo. Li devus ne demandi.
Mi ŝajnigas nescion kaj demandas:
-                     Oni diras, ke raspita fromaĝo kaj marfruktoj ne kongruas inter si. Ĉu tio estas vera?
La viro mienas kontente pro la konsulto kaj asertas:
-                     Vere! Post dek jaroj da funkciado, vi estas la unua kliento, kiu starigas ĉi tiun demandon. En Italujo, kunmeti fromaĝon surtablen estus jam herezo. La gustoj malpacas inter si.
-                     Nu, vidu. Mi havas fraton, kiu posedas akran langon. Li dirus, ke tio estas manko de edukiteco.
La viro rigardas min iom timigita.
-                     Trankviliĝu, tio estas nur esprimmaniero. La vorto “edukado” havas almenaŭ tri signifojn. Ĝi povas signifi “taŭgan konduton”, ”taŭgan sintenon”: ĉetable purigi la denton per ligna pingleto estas manko de edukiteco. Ĝi povas signifi “kleriĝon”, “konon”: Petro havas universitatan edukitecon. Kaj ĝi povas signifi “trejniĝon de  la sentumoj”, “trejnado de gustoj”: aŭskulti la muzikon de Wagner postulas edukiĝon de la oreloj.  Mia frato diras, ke ĝuado de  iuj manĝaĵoj postulas, ke oni trejnu sin pri la gusto. Kiel ĉio en la vivo. Ne estas en tio ia ofendo.
La estro silente konsentas kaj foriras iom konsternita.
La aliaj homoj ĉe la tablo (estas aliaj ĉetable) senmanĝe atentas. Post mallonga silento, iu murmuras:
-                     Iaj prelegoj ne konvenas ĉe la tablo. Pura manko de edukiteco.

Kaj ni ĉiuj revenis al la frandinda manĝaĵo.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

UM CLÁSSICO - "LUTO E MELANCOLIA"


Sem qualquer veleidade de conhecimento em psicanálise, pelo motivo mesmo de me faltar tal horizonte, tomo, cheio de respeito, o bonito volume editado pela Cosacnaify de “Luto e Melancolia”, de Sigmund Freud. Tradução preciosa de Marilene Carone, vem acrescido de vários textos de especialistas, a enriquecer e dar corpo ao livrinho. E vem, sobretudo, com uma riqueza exclusiva: sublinhado a lápis por meu irmão, em vários trechos que julgou dignos de destaque. Presente inestimável!
                Devíamos todos os humanos ler este livrinho, que na verdade não passa de um longo artigo. Longo, elegante, requintado na forma e no conteúdo, uma lição de como se pode domar o pensamento e a palavra e colocá-los a serviço da perspicácia, da sabedoria, da criatividade, da arte. Vai muito além da distinção instrutiva (e útil!) entre luto e melancolia – que são bem opostos, muito mais do que as aparências indicam. Faz por exemplo este comentário, retirado de outro texto, a respeito daquilo que todos procuramos, às vezes obsessivamente:

... podemos dizer que a intenção de que o homem seja feliz não se acha no plano da ‘Criação’. “

                Fica o ensinamento: o luto não é doença, resolve-se por si, pois permanece na camada do ego consciente; a melancolia/depressão se volta para o inconsciente e esconde uma raiva, narcisismo disfarçado.  Na queixa  do melancólico se oculta uma acusação.
Não é só para se concordar, é para se pensar. Como esta consideração do implacável conhecedor da alma humana, a propósito do melancólico que vive a se depreciar:

“Quando, em sua exacerbada autocrítica, ele se descreve como um homem mesquinho, egoísta, desonesto e dependente, que sempre só cuidou de ocultar as fraquezas de seu ser, talvez a nosso ver ele tenha se aproximado bastante do autoconhecimento e nos perguntamos por que é preciso adoecer para chegar a uma verdade como essa.”

                Luto e Melancolia” é desses textos a que se deve voltar. É muito provável que cada deslumbrado leitor encontre outros ângulos e modos de o ler. E que eu mesmo, quando o reler, venha a escolher outros ainda. É por isso que se trata de um clássico. Obrigado, irmão.

KLASIKAĴO – “FUNEBRO KAJ MELANKOLIO”

                Sen ia prretendo pri scio pri psikanalizo, pro la motivo mem, ke mankas al mi tia horizonto, jen mi prenas respektoplene la belan volumon eldonitan de Cosacnaify de “Funebro kaj Melankolio” , de Sigmund Freud. Rafinita traduko al la portugala lingvo de Marilene Carone, ĝi enhavas krome plurajn tekstojn de fakuloj, kiuj pliriĉigas kaj enkorpigas la libreton. Kaj precipe ĝi enhavas ian ekskluzivan riĉaĵon: pluraj linioj substrekitaj de mia frato, kie li trovis ilin elstarigindaj. Nekalkuleble valora donaco!
                Ĉiu homo devus legi ĉi tiun libreton, kiu fakte estas nur longa artikolo. Longa, eleganta, rafinita laŭforme kaj laŭenhave, ia leciono pri tio, kiel eblas dresi la penson kaj la vortojn kaj metis ilin je la servado de subtileco, de saĝeco, de kreemo, de arto. Ĝi trafas trans la instruan (kaj utilan!) distingon inter funebro kaj melankolio – kiuj estas ja kontraŭaj, multe pli ol tion ŝajnigas supraĵa rigardo. Ĝi ekzemple faras ĉi tiun komenton, prenitan el alia teksto, pri tio, kion ni ĉiuj serĉadas, foje obsede:

“... oni povas diri, ke la intenco, ke la homo estu feliĉa, ne troviĝas en la plano de la ‘Kreado’.”

                Restas la nocio: funebro solviĝas per si mem, ĉar ĝi lokiĝas en la tavolo de konscia egoo; melankolio/depresio revenas al la nekonscio kaj kaŝas koleron, narcisismon aliformitan. Ĉe la plendado de melankoliulo kaŝiĝas akuzado.
                Oni ne devas simple konsenti pri tio, oni devas pensi. Same kiel pri ĉi tiu konsidero de la senindulga konanto de la homa animo, rilate al la melankoliulo, kiu konstante sin malŝatas:

“Kiam, en sia intensa memkritikado, li sin priskribas kiel malindulon, egoiston, malhonestulon kaj dependulon, kiu ĉiam nur zorgis pri kaŝado de siaj propraj malfortecoj, eble niaopinie li sufiĉe alproksimiĝis de memkono, kaj ni demandas nin mem, kial necesis malsaniĝi por atingi tian veraĵon.”

“Funebro kaj Melankolio” estas unu el tiaj tekstoj, al kiu oni devas reveni. Estas tre probable, ke ĉiu alia ravita leginto trovos aliajn angulojn kaj legmanierojn. Kaj ke mi mem, kiam mi relegos ĝin, elektos ankoraŭ aliajn. Pro tio temas pri klasikaĵo. Dankon, frato.

domingo, 28 de dezembro de 2014

A DOCE FACE DE SANDRA




A Justiça argentina concedeu habeas corpus a Sandra, uma orangotango ruiva que passou cada dia de seus 29 anos de vida no cativeiro.
Duas expressões me perturbam na notícia: a expressão facial de Sandra e a expressão verbal “pessoa não humana” com que se descreveu a beneficiada. Foi assim que se justificou a decisão: trata-se positivamente de uma “pessoa”, pois que aprende, tem sentimentos, toma decisões e se comunica. Faz jus portanto aos tratos que merecem todas as pessoas, entre os quais, destacadamente, o da liberdade e o da dignidade de viver em paz.
Resta compreender o que é uma pessoa não humana. Simples. Não é humana porque não é formada, geneticamente, da mesma estrutura molecular que configura a espécie Homo sapiens (embora fique bem perto). Sobra a conclusão de que é uma pessoa de outra espécie – a espécie dos orangotangos. O que não lhe retira o caráter de pessoa, no sentido de que tem individualidade. Ela é Sandra, não é outro orangotango. É peculiar.
Quem ainda tiver alguma dúvida, ignore esse breve arrazoado acima, acesse o youtube e contemple com atenção a doce face de Sandra.


LA DOLĈA VIZAĜO DE SANDRA

La argentina Justeco donis habeas corpus al Sandra, rufa ina orangutano, kiu pasigis ĉiun tagon de siaj 29 vivojaroj en kaptiteco.
Du esprimoj min perturbas el tiu informo: la vizaĝesprimo de Sandra kaj la lingva esprimo “nehoma persono”, per kiu oni priskribis la favoritinon. Tiel oni pravigis la decidon: temas fakte pri “persono”, ĉar ŝi lernas, sentas, decidas kaj komunikas. Ŝi do rajtas ricevi la traktadon, kiun meritas ĉiuj personoj, interalie  precipe liberecon kaj la dignon vivi en paco.
Mankas kompreni, kio estas nehoma persono. Simple. Ŝi ne estas homa ĉar ŝin ne formas genetike la sama molekula strukturo, kiu karakterizas la specion Homo sapiens (malgraŭ ke tre simila). Restas do la konkludo, ke ŝi estas persono de alia specio – la specio de orangutanoj. Kio ne forprenas de ŝi la econ de persono, en la senco ke ŝi estas individueca. Ŝi estas Sandra, ne iu alia orangutano. Ŝi estas unika.

Kiu ankoraŭ dubas, tiu ignoru la nelongan eksplikon ĉi-supre, aliru al youtube kaj kontemplu atente la dolĉan vizaĝon de Sandra.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

POR TRÁS DOS OLHOS

Aos domingos íamos passar a manhã no sítio do avô. Sempre um encanto. Corríamos atrás das galinhas e dos bezerros, encontrávamos ovos nos ninhos, aprendíamos a ordenhar e a distinguir piados no mato. Molhávamos os pés no riacho. Ali era bom ser criança.
Lembranças.
Eu gostava especialmente de ir ao curral e olhar de perto as vacas que se aproximavam da cerca para ganhar uma folha verde. Os olhos me fascinavam, grandes olhos luzidios que piscavam e tremiam com as moscas. E me olhavam às vezes longamente, cheios de mistério. Eu sentia um desejo reiterado e poderoso de saber o que pensaria aquele enorme animal, por trás daqueles olhos.
 Nunca soube.
...
Há dias um grupo de fanáticos entrou numa escola, no Paquistão, e massacrou uma centena e meia de crianças. Passado o horror, os fotógrafos registraram o resultado. Arrependi-me de ter visto uma das fotos.
A defesa foi uma fantasia. Vi-me diante de uma grade de ferro. Do outro lado está um fanático infanticida. Ele me olha fixamente. Sinto desejo de saber que pensamento existe por trás daqueles olhos.
Nunca saberei: é só um enorme animal.

MALANTAŬ LA OKULOJ

Dimanĉe ni kutimis pasigi la matenon en la bieneto de la avo. Ĉiam rave. Ni kuradis post kokinoj kaj bovidoj, ni trovadis ovojn en nestoj, ni lernis melki kaj percepti birdpepojn en la arboj. Ni plonĝigis niajn piedojn en riveretojn. Tie infanaĝo estis agrabla.
Rememoroj.
Al mi aparte plaĉis veni al la stalo kaj rigardi de proksime bovinojn, kiuj alproksimiĝis al la barilo por ricevi verdan folion. La okuloj min ravis, grandaj okuloj relumantaj, kiuj fermetiĝadis kaj tremetadis pro la muŝoj. Kaj foje rigardadis min longe, plenaj je mistero. Mi sentis ripetan kaj potencan deziron scii, kion pensas tiu grandega besto, malantaŭ tiuj okuloj.
Mi neniam eksciis.
...
Antaŭ kelkaj tagoj, grupo da fanatikuloj envenis lernejon en Pakistano kaj masakris ĉirkaŭ cent kvindek infanojn. Post la hororo, fotistoj registris la rezulton. Mi pentis, ke mi rigardis unu el tiuj fotoj.
Mia defendis min per fantazio.
Mi vidis min fronte al ferkadro. Ĉe la kontraŭa flanko staras unu infanmurdinta fanatikulo. Li rigardas min fikse. Mi eksentas deziron scii, kia penso ekzistas malantaŭ tiuj okuloj.

Mi neniam scios: tiu estas nur grandega besto.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

PARESTESIA



Um ponto
na perna
da pessoa
pinica
que parece
que pousou
pernilongo
pronto
para
picar.
Ou pulga,
carrapato,
ou fiapo
de pano
ou de pena.
Pura
impressão:
apenas
impertinente
provocação
da pele.
A parestesia é a paranormalidade do corpo.

PARAESTEZO

Punkton
de piedo
piketas
pinĉe
pulo
impertinenta.
Aŭ splito
de pajlo,
aŭ de plumo?
Pluvero?
Senpere
perdiĝas
la propra
perceptokapto
la pura,
kaj aperas
paralela
miskoncepto
konspira,
trompa,
petola.
Paraestezo estas paranormaleco de la korpo.